Desde que vivo em Budapeste, sempre me questionei sobre a presença obsessiva e emocionada de “factos históricos” nos debates políticos na Hungria. Encontrei a minha resposta enquanto folheava um livro de Lasse Skytt, num café-livraria discreto ao pé do Parlamento Húngaro. Aparentemente, durante os mais de 40 anos em que a Hungria foi Estado- Satélite da URSS, os húngaros estavam proibidos de refletir e discutir o passado do país. Com a queda do comunismo, veio o desejo de recuperar a tradição, história e identidade húngaras. E de facto, a maior parte dos húngaros com que falo, acredita que a sua forma de viver é única no mundo.
Depois da queda do comunismo, em 1989, havia finalmente uma grande (demasiada) expetativa na abertura ao Ocidente. Liberalizou-se a economia mais do que em alguns países ocidentais; privatizaram-se quase todas as empresas estatais e os célebres ex-comunistas húngaros converteram-se em pródigos jogadores do capitalismo selvagem. No entanto, passados mais de 30 anos do fim do comunismo, havia uma sensação de desilusão e de fraude em relação à ocidentalização da Hungria. Havia mais distanciamento de classes, mais pobreza extrema e em 2009 – meses antes de Orbán ser eleito como Primeiro- Ministro da Hungria – 72% da população húngara concordava que os tempos do comunismo eram melhores do que os daquele ano.
A resposta de Orbán a esta desilusão do Ocidente, foi a retórica do “Grande Passado da Hungria”. Uma construção histórica vitimista que dá um propósito e uma pertença emocional a um povo com um passado trágico – com mais de 400 anos de subjugação e humilhação de potências estrangeiras e com o território original cortado a 2/3, depois do “infame” Tratado de Trianon de 1920. Os discursos eufóricos de Orbán não são para voltar ao comunismo, mas sim preservar a Hungria cristã, geneticamente e culturalmente húngara, tal como nos tempos prósperos pré-trianon. “Há que preservar a Hungria” dizia Orbán, depois dos atentados de Charlie Hebdo, alertando que a soberania da Hungria estava em perigo com o “globalismo” da crise de refugiados, das políticas de Merkel, das fundações de George Soros e do politicamente correcto.
Passados mais de 10 anos de governação de Orbán, as desigualdades sociais não melhoraram e a corrupção tampouco. A retórica nostálgica que outrora convencia tantos húngaros com menos estudos e rendimentos, parece estar a perder fôlego. Com as eleições em 2022 e o atual Estado de Emergência, a propaganda pró-governo e anti-oposição intensificou: nos emails, nas publicidades do youtube e claro, nas rádios, televisões e jornais húngaros controlados e dominados pelo partido de Orbán. A minha impressão com os húngaros que falo é que existe um certo cansaço em torno da figura do Primeiro-Ministro húngaro, comprovado por diversas sondagens. Pela primeira vez em mais de 10 anos, Orbán tem a possibilidade de perder as eleições. Ironicamente, parece que os seus votantes depois de se desiludirem com o Ocidente, desiludiram-se com Orbán.
Budapeste, 26 de maio de 2021