Não escrevo hoje sobre o último rei dos húngaros, de cuja morte se assinala o centenário no próximo ano, exilado e falecido na ilha da Madeira e assim contribuindo para o largo conjunto de vínculos históricos que unem os dois países. Escrevo sobre outro rei, porventura menos nobre mas seguramente mais húngaro que Carlos IV. Nada mais nada menos que o mítico e inolvidável Jimmy Zámbó, que com a sua voz de ouro encantou durante anos toda uma legião de fãs (para usar aqui o jargão musical), acedendo assim aos mais altos píncaros da música ligeira húngara. O rei, a király, partindo e aquecendo corações com as suas canções de amor intenso e sofrido, e provando assim que um homem é muito mais do que a sua aparência, salvaguardando obviamente que gostos não se discutem.
Lembro-me de ser apresentado à sua obra por meio de um dos seus maiores sucessos, Egy jó asszony mindent megbocsát. A voz melosa, associada à sabedoria do texto, cativaram-me de imediato, ao ponto de certa noite almejar interpretar a canção em sessão de karaoke mais regada que o recomendado. Projecto fracassado, como seria de esperar. Impossível chegar sequer à órbita do maior dos planetas, insolente querer irradiar um pouco que seja do brilho do grande Sol. Inesquecível aquele início de música, a entrada da voz num lamento quase comovente: longa foi a noite e boa a companhia… Mais tarde escutei em repeat outro dos seus êxitos. Depois do aforismo que uma boa mulher perdoa qualquer coisa, aprendi a pedir: ama-me mesmo que eu seja mau, que é o mesmo que dizer, mesmo que eu seja um filho da puta aguenta e não me deixes.
E parece que Jimmy de facto não se portava muito bem. Diz-me um amigo que o rei era má pessoa, um boémio que batia na mulher, aterrorizava a família e destratava os amigos. É por estas e por outras que tenho sempre receio de conhecer as vidas dos grandes ídolos fora do palco ou do ecrã. Mostraram-me uma vez um vídeo de Jimmy numa espécie de reality show em que entrava de surpresa no modesto apartamento de uma família de fãs. As paredes forradas de posters com sua cara e o rei a entrar indiferente, quase mal-disposto, de cigarro aceso no canto da boca, com os longos cabelos encaracolados casualmente repousando nos ombros do casaco de cabedal…
E tal como tantas outras estrelas do nosso firmamento, também a morte de Jimmy continua envolta em certo mistério, fonte de várias teorias até hoje jamais provadas. O facto é que na manhã de 2 de Janeiro de 2001, após rijos e continuados festejos de ano novo, Jimmy morreu de ferimentos de bala na cabeça, oficialmente disparada pelo próprio. A versão da viúva é que o cantor estaria orgulhosamente a mostrar-lhe a sua beretta, numa daquelas brincadeiras que correm sempre mal. Teria esvaziado o carregador com uns quantos tiros e depois, para provar que já não havia mais balas na câmara, premira o gatilho contra a própria têmpora, e assim pusera acidentalmente fim à própria vida, porque no jogo da roleta russa a casa ganha sempre. Existe também a versão do suicídio, mais trágica mas para alguns não menos convincente. E também a teoria de que terá sido a própria esposa a assassinar o marido, saturada de longos anos de terror e maus-tratos. Esta é naturalmente a versão mais defendida pelas fãs de Jimmy, por todas aquelas mulheres indignadas com o facto de o rei partilhar a cama e a atenção com uma cônjuge a tempo inteiro.
E finalmente temos o galo, sem dúvida a versão mais rebuscada mas ao mesmo tempo estranhamente condizente com um astro da pop húngara dos anos noventa. Nessa história temos um Jimmy completamente embriagado que à primeira luz do dia reage com ira descontrolada ao canto de um galo despertador. E por isso desata aos tiros. E porque está bêbedo manuseia mal a arma de fogo e atinge-se a si próprio na cabeça. Talvez não seja esta a morte digna para um monarca, mas Jimmy sempre fez as coisas muito à sua maneira. O rei morreu, viva o rei.