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A Consoada dos portugueses

Como pode um país com a pequena dimensão de Portugal ter tanta variedade de pratos típicos de Natal? Polvo, bacalhau, cabrito, doces de múltiplas origens… Não devem existir muitos países com tantos pratos típicos de Natal como Portugal – sobretudo, tendo em conta o reduzido tamanho do território.

A consoada de norte a sul

De norte a sul, por esta altura que se inicia – e anuncia as delícias do final de ano -, as cozinhas enchem-se de aromas deliciosos e sabores verdadeiramente irresistíveis, obedecendo às tradições das regiões em que se inserem. Em Trás-os-Montes, o polvo é indispensável, no Alentejo foi o galo hoje é o bacalhau. A consoada é também sinónimo de criatividade dos portugueses.

Em alguns casos são as famílias que se deslocam à “terra” onde as tradições são tipicamente mais sedimentadas. Noutros, foram as tradições que rumaram às cidades e são perpetuadas por famílias que, muitas vezes já deixaram as suas terras originais há várias gerações.

A sala está tipicamente decorada, cruzam-se tradições com maior ou menor significado para cada um. Pinheiro de Natal, as quatro velas do advento, o presépio, luzes e mesas postas a preceito. Tudo de acordo com o que cada família traz do passado e transporta para o presente e antecipa para o futuro. A família e os amigos reunidos em torno de uma mesa farta e presentes e lembranças trocadas.

Mas, não é preciso recuar muito tempo para uma época em que tudo corria a outro ritmo e era indispensável ir à Missa do Galo pela meia-noite, a que se seguia uma ceia. Ainda hoje muitos dispensam um pouco da noite de Natal para refletir sobre o significado do mesmo, em aldeias, vilas e cidades por todo o país.

A origem das atuais celebrações de Natal está relacionada com o nascimento de Jesus, que é ainda responsável, em muitas casas, por colocar as prendas nos sapatinhos dos mais pequenos. Noutras casas o Pai Natal ocupou há muito esse lugar. Mas já antes, por esta ocasião, havia festas relacionadas com o solstício de Inverno, de celebração do início de um novo ciclo anual.

“A mesa da consoada não pode ser levantada…”

Porque, diz o povo, o menino Jesus “há-de comer”. É uma ótima desculpa para não interromper as conversas e contínuo petiscar ao longo da noite da consoada. Além disso, no dia seguinte, o Natal propriamente dito, as celebrações vão continuar. Por isso, há mesmo quem mantenha a mesa posta até ao dia de Reis, a 6 de janeiro, bem como toda a restante decoração.

Na maioria das mesas, o bolo-rei, confecionado com frutos secos e frutas cristalizadas, é um convidado adicional. Sinal dos tempos e da globalização, perdeu a “prenda” e a “fava”, algo que dava sempre uma emoção diferente ao consumo do dito bolo. Todos queriam a prenda, ninguém queria a fava. Afinal, a fava dava a quem a recebesse numa fatia o direito de pagar o próximo bolo-rei, enquanto o brinde significava sorte para quem o encontrasse.

Se o bacalhau é “rei”, não é o único regente e compete por lugar à mesa com outros dignos representantes da realeza. A muitas meses é cozido com batatas, ovos e couves.

Entre Minho, Douro e Trás os Montes, tem que medir forças com o polvo guisado, que também se faz acompanhar por batatas e couve portuguesa. Para ajudar a empurrar, o vinho aquecido com mel e um pau de canela é o elixir que aquecerá a alma durante toda a noite.

Também a norte, mas já com presença um pouco por todo o país, os restos do bacalhau são guardados para as refeições após a consoada, nos dias 25 ou 26, conforme as localidades. As sobras são misturadas e aquecidos ou passadas numa frigideira com azeite e alho. O resultado é a “roupa velha” ou o “farrapo velho”, que muitos dizem preferir ao prato original.

No Minho e Trás-os-Montes ainda é tradição o peru assado com creme de castanhas, a que se podem juntar também o borrego, o leitão ou o porco. Pela região do Alto Douro aparece ainda a canja de galinha do campo.

No campo das sobremesas, no Minho e Douro Litoral as preferências vão para rabanadas, arroz doce, sonhos, pudim ou leite creme. Na Beira litoral há também formigos e broinhas. Na Estremadura são as farófias e as merendeiras.

Tem Trás-os-Montes e alto Douro a ementa pode incluir migas doces, migas doces e pudim de Natal. No Alentejo são as azevias, o carolo e os coscorões. No Algarve o remate da refeição é com filhós.

“Cada ovelha no seu curral”

Ao chegar à Beira na sua entrega de prendas, o Pai Natal vai ser recebido pelo aroma que se ergue das chaminés a cabrito assado, normalmente comido ao almoço do dia 25, enquanto o bacalhau preenche a mesa da véspera. Acompanham-no as batatas assadas e a “cerimónia” termina com uma fatia de bolo de mel. Se houver ainda estômago, sonhos e filhoses também marcam aqui presença.

Por todo o país, em particular a sul, as rabanadas passam a ser confecionadas de forma ligeiramente diferente, são chamadas de fatias douradas. Cada um terá uma receita especial, mas, tipicamente são fatias de pão molhadas em leite passadas por ovo, açúcar e canela e fritas em seguida. No Alentejo, aparecem as azevias, mas o tom principal continua a ser a canela. Não há Natal sem que esta especiaria perfume todas as casas.

Em algumas regiões é também típico o pão-de-ló, acompanhado por queijo da serra ou, como em Ovar, um pouco menos seco que o primeiro.  A consoada no Alentejo tinha o galo como ex-libris, mas há muito que bacalhau cozido ganhou terreno e tem feito esquecer essa tradição. Outra tradição desta região é o lombo assado com batatas e laranja.

No dia seguinte, no Alentejo e no Algarve, é o peru recheado e assado no forno que irá unir as famílias ao almoço. Nas ilhas, os pratos tradicionais são um pouco diferentes. Açores e Madeira vão buscar a galinha (porco ou vaca) assada ou cozida e a sua canja. As espetadas de porco, temperadas com vinho e alho são um “must” na Madeira. Em ambos os arquipélagos, a refeição termina com um dos diversos licores regionais. O bolo de mel, o bolo de noz ou de abóbora são sobremesas preferidas na Madeira e o arroz doce nos Açores são as sobremesas escolhidas.

Não podem ainda faltar à mesa, frutos secos em que se incluem figos, nozes, pinhões, avelãs, amêndoas, ameixas, alperces, uvas passas, cereja e outras frutas cristalizadas.

Este é um possível retrato da noite de 24 de dezembro dos portugueses, mas todas estas tradições variam ligeiramente de aldeia para aldeia e não se passa um Natal sem que nos relatem uma nova história ou prato específico de uma região. Até num momento tão tradicional como a quadra natalícia, Portugal consegue sempre surpreender-nos. E à sua mesa quais são os pratos que não podem faltar?

Ao fazer esta pesquisa, torna-se óbvio que as tradições de diferentes origens se vão cruzando. Cá por casa, na consoada não pode faltar o bacalhau cozido, o lombo e o leitão assado. Antecedem os pratos principais aperitivos diversos, especialmente frutos secos e frutas cristalizadas. Para a sobremesa rabanadas e o arroz doce. O bolo Rei é também uma presença assídua. No dia de Natal é a vez do peru.

Boas festas!

Fonte:

O artigo original foi publicado no site da Goodyear (https://quilometrosquecontam.com/gastronomia-natal/)